Maconha. Toda vez que passo pelo 101 e sinto esse cheiro forte de um milhão de incensos misturados já posso adivinhar. O vizinho do apartamento em frente tá pegando a mulher na porta, será que não vê que o vidro é quase transparente? Vai ver que viram sim; quase começo a rir, e subo as escadas mais depressa. Da casa dos irmãos vem o som irritante do violino e um cheiro bom de pão. O cheiro, aliás, pode estar vindo do saco de papel que trago da padaria. Saco de pão, mochila, bolsa e livro nas mãos, como vou achar a chave? Passo antes pela porta aberta do meu vizinho de frente, no terceiro andar. A porta entreaberta deixa ver um ambiente que me parece marrom e um ar de museu, brrr.
Abro minha porta: cadeira cheia de livros; mais cadeira e mais livros. A bagunça da mudança recente, ou não tão recente, mas a bagunça da falta de tempo de desfazer a mudança. O computador, cadernos, mala de roupa, papéis sobre a cama; o abajur aceso desde a semana passada, quando saí. Me estiro na cama, tiro os tênis com os pés. Lá de baixo vem as risadinhas dos vizinhos da porta de vidro e o violino da irmã. Lamento a sorte dos que vão escutá-la na igreja. Alguém cozinha feijão, e o cheiro entra vindo do corredor. Carros correm lá embaixo, e vão se afastando a medida que o sono vem...