quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

de gente que fura e da não importância com o outro, ou de gente que não se importa em furar

eu  estava na quarta série, eu acho (não sei como se chama isso hoje em dia), e tive que fazer meu primeiro trabalho em grupo. eu nunca havia feito trabalho em grupo até então — e nunca mais iria me empolgar em fazer, a bem da verdade — e como meu grupo era minha amiga de desde a primeira série, e que seria minha amiga ainda por alguns anos, e a minha amiga desde a primeira série era adventista do sétimo dia, marcamos de fazer o trabalho no domingo, na casa dela.

mas a questão é que o domingo de uma criança não é o domingo de um adulto. não é o domingo depressão-oh-amanhã-começa-tudo-de-novo-que-saco-i-hate-sundays. o domingo de uma criança, e de uma criança com quintal, é um dos melhores dias da semana.

e domingo era dia de meu tio nos levar pra tomar sorvete e da minha avó fazer almoço (frango, pra ela frango se comia aos domingos) e de tantas outras coisas em dias sem aula.

e o domingo do meu primeiro trabalho em grupo amanheceu chuvoso. e depois do almoço era hora de todo mundo se embolar na sala e ir ver filme e do coitado do cachorro ficar olhando triste pra porta querendo sair, mas sabendo que ninguém o deixaria ir lá fora porque tava tudo molhado. e eu naturalmente esqueci do meu trabalho em grupo.

mas não minha mãe. anna raíssa, vai tomar banho.
mas mãe, tá chovendo.
não está chovendo, está chuvoso. calça a bota, pegua o guarda-chuvas (a amiga morava na quadra de baixo) e vai. compromisso não se desmarca.

e lá fui eu, deixando o cachorro e o filme pra trás e tudo que poderia acontecer no domingo da quarta série quando ninguém pode sair de casa e ficávamos todos por ali, procurando coisa pra fazer dentro de casa.

eu cheguei lá e a maria não estava (eu falei que o nome da amiga era maria?).

vejam bem, não é que ela teve que sair, não é que estava chovendo e ela havia ficado presa no trânsito (não, pera, muito cedo ainda pra isso). a maria tinha ido pra casa de uma amiga. de outra amiga.

e eu lembrei da minha mãe dizendo que compromisso não se desmarca. e percebi, na altura dos meus nove anos (eu era um ano adiantada na escola), que havia deixado de fazer muitas coisas legais — e que eu certamente preferiria fazer — porque tinha um "compromisso". e que pra maria, e certamente pra mãe da maria, compromisso não só era altamente desmarcável como você não teria a mínima necessidade de avisar o outro, muito menos com antecedência. você pode muito bem deixar o outro bater com a cara na porta. não importa se o outro se organizou, se deixou de tomar sorvete com o tio ou comeu o frango da avó correndo porque tinha compromisso com você. ou se deixou de ver filme e saiu de casa na chuva — gente, uma criança na chuva — porque a mãe lhe disse que compromisso não se desmarca. não importa se o outro se organizou com aquilo. você pode simplesmente não se importar.

talvez a mãe da maria não houvesse lhe dito que compromisso não se desmarca. mas vejam, a maria tinha ido pra casa de uma amiga. e eu também era amiga dela, e mesmo assim ela foi. sabendo do trabalho, sabendo da amiga. e eu voltei pra casa com uma bagunça de indignação e preterência, e devo ter chorado o caminho todo (eu fui uma criança bem chorona). e minha mãe, que também deve ter pensado por que diabos a mãe da maria não lhe havia ensinado que compromisso não é assim, um brinquedo que você não quer mais; que envolve outra pessoa; que é um trato entre amigos, me ajudou a fazer o trabalho em grupo.

e no outro dia, eu tive que por o nome da maria no trabalho em grupo que fiz sem ela. tive é exagero, eu pus porque quis, porque ela era minha amiga. porque ela merecia o prêmio de, enquanto fazia coisas legais num domingo chuvoso, eu ter feito o trabalho em grupo sozinha, depois de ter andado na rua na chuva.

Um comentário:

Gastão Cared disse...

faz uma tirinha! hehehe! Muito bom rabisca!