segunda-feira, 27 de março de 2006

Dois pesos, várias medidas

Sr. W, 40 anos, solteiro, vê o filho de 15 em 15 dias, se o tempo ajudar. Tem carro e casa próprios. Nível superior e dezoito anos de carreira, seu salário líquido beira os R$ 12 mil.
F. da S., universitário, 21 anos, saiu da casa dos pais para estudar. Paga aluguel, anda de ônibus, mora com uns colegas numa república. Estagiário, se vira com o mínimo que recebe e com a ajuda que o pai, quando dá, lhe manda. Morre de saudades da mãe e da namorada quando o dinheiro não dá pra visitá-las no fim de semana.
J. dos S. P., pedreiro, 45 anos, mulher (lavadeira) e 5 filhos. Além de pedreiro, faz uns bicos na vizinhança. Três filhos menores de idade e um deficiente. Não sabe direito quanto tira por mês, só sabe que mal dá pra comida.
M. de L. F da S., manicure, mãe solteira, 28 anos. Vende "Avon" pras amigas pra completar o orçamento. Parou de estudar na 8ª série. Acorda às 5h30 pra pôr a casa em ordem antes de sair pro salão. Volta tarde da noite, assiste novela, arruma a casa e ainda brinca um pouco com as crianças. Quando muito, sua renda chega a R$ 600.
M. L., 19 anos, estudante. Tem dois empregos, totalizando 12 horas de trabalho por dia. Como sempre diz, "rala que nem uma condenada". Namora S. F., 22 anos. Ele, mora sozinho. Ela foge do pai quando este bebe e implica que a filha "é uma vagabunda".
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F. da S., comeu alguma coisa na rua, passou mal e ficou um dia de cama. Como não tinha atestado médico, perdeu uma prova e o estágio.
J. dos S. P. sofreu um acidente de trabalho e a mulher teve que arrumar mais roupa pra lavar e o filho mais velho largou a escola pra substituir o pai na obra.
A mãe de M. de L. F da S. ficou doente e ela teve que vender a televisão, a geladeira e os sofás (que tinha ganhado de uma antiga patroa) pra pagar o tratamento. Durante os três meses que durou esse inferno de ir-e-vir de hospital as crianças ficaram com uma vizinha porque não dava mais pra pagar a creche.
S.F, já de saco cheio de ver a namorada ser infernizada pelo pai, alugou um quarto-e-sala pros dois num lugar qualquer. Agora ele e M. L. se vêm menos que antes, pois agora ele também trabalha durante a noite.
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Sr.W., no dia do seu aniversário de 41 anos, de tanto reclamar do traballho, passou mal e por conta disso -"estresse"- ficou 6 meses de licença. Além dos R$12 mil por mês, recebe auxílio médico, totalizando um salário de R$ 15mil. Pra ficar em casa.

terça-feira, 21 de março de 2006

Besoura


Isso de deixar de fazer uma coisa, ou de falar algo, pela falta de certeza da reação do outro é quase uma prisão. E aqui a falta de certeza é diferente da incerteza. Não sei diferente como, mas é. Mas às vezes a gente faz umas coisas que não sabe porquê. Esses dias mesmo me peguei andando pelo subsolo do bloco A do ICC só pra não encontrar ninguém. Fujo corredor a fora só pra não encontrar um conhecido e engatar uma conversa chata que vai durar horas (e sei que o ser humano tem um prazer sádico por esse tipo de conversa. Ela não leva à lugar algum, nenhum dos participantes gosta dela e não se sabe por que cargas d'água não inventam uma desculpa qualquer pra cair fora). Ultimamente não tenho tido muito saco pra gente. Posso ficar uma hora inteira ao lado de um amigo sem falar uma palavra sequer. Que bom que a maioria entende. Quanto mais uma atitude dessas vinda de mim, que falo que nem uma condenada. Pode ser até um mecanismo da minha mente adoecida e saturada por um fim de semestre em março e por uma vizinha que escuta Caly(xo)pso na maior das alturas no único dia da semana que eu fico em casa para me manter do lado de cá do sutil fio transparente que divide a insanidade da lucidez. Realmente deve ser isso, tomando-se por base que eu vinha falando demais, reclamando demais, chateando demais.n Não sei como não cheguei ao ponto do insuportavel (e, se cheguei, prefiro me manter ignorante quanto ao fato, pra que não tenha remorso). Descobri que eu pareço um besouro, daqueles que zunem e voam o tempo todo pra todos os lados, e quando não tem mais pra onde voar fica naquele movimento de vai-e-volta constante. Comecei a perceber isso um dia que fiquei esperando a chuva passar pra ir embora do lado de uma pessoa que mais parecia a estátua de Buda: primeiro porque não respondia pergunta nenhuma que eu lhe fazia, depois porque conseguiu ficar parado por incríveis dez minutos. Sem contar o sorrisinho enigmático. Depois fui fazer as contas, ao perceber que todos os meus copos de vidro haviam sumido, e vi que essa minha inquietação tinha me feito quebrar meia dúzia de copos em uma semana. Sem contar um sem-número de canetas perdidas, compromissos esquecidos (não obstante eu ter comprado uma agenda. Até porque eu a esqueço em todo lugar que vou), guarda-chuvas deixados em todo lugar, a bagunça do meu armário, os afazeres deixados pela metade. Meu quadro é clínico. Não sei se tudo isso é dispersão, falta de disciplina ou ansiedade. Ou pode ser tão somente cansaço.

Ou não.

segunda-feira, 6 de março de 2006

Enquanto espero...

Um dia desses eu comentei com alguém que o que importa pra mim é a caminhada, e não exatamente o ponto onde devo chegar. Literalmente. Tanto que, muitas vezes, não faço o que sair pra fazer porque achei outra coisa mais interessante para fazer no caminho. Enquanto caminho encontro pessoas, coisas, cartazes. Paro, olho, observo, corro, volto. É sempre assim. Sempre que possível prefiro ir caminhando aos lugares.
O meu grande problema era com a espera. Apesar de (quase) sempre chegar atrasada aos lugares (todos), meu dia acabava se eu tivesse que esperar por algo ou alguém. Assim mesmo, esse exagero todo. Até que comecei a pensar se essa minha mania horrorosa de chegar atrasada não era uma fuga ao fato de por ventura ter que esperar -nossa mente cria essas neuras absurdas. Ainda não cheguei a uma resposta, assim como ainda não me disciplinei a chegar sempre na hora. Mas agora procuro me distrair com outras coisas. Ler enquanto espero o ônibus, observar as pessoas enquanto espero minha vez na fila. É um barato, principalmente quando o humor coopera.
Hoje enquanto esperava pra usar o laboratório na UnB, fiquei prestando atenção à música que rolava no Centro Acadêmico ao lado... o bom e velho Dylan, aquelas pessoas passando, algumas reações, sorrisos e encontros. O tempo não passou mais rápido, mas não o perdi também. Me surgiram até algumas idéias, alguns ângulos para fotos.
Ainda bem que não tenho uma máquina fotográfica, porque senão lá vinha outra neura...

Vai-e-Volta

Quando comecei esse blog aqui, pensei que não o levaria muito a sério. Na realidade, pensei que ninguém o levaria a sério. Pois bem, comecei a escrever pra não acabar falando sozinha, e também pra dar vida àquela papelada (real e virtual) que eu estava acumulando. O problema está em eu não conseguir postar textos/ artigos/ poemas ou nada que eu tenha escrito antes. Até tentei, como "P...O quê??", mas é muito estranho, não dá vontade de colar texto antigo e sim de escrever coisas novas.
Deu-se que, uns dias atrás, recebi por e-mail um texto meu, publicado aqui no blog, que alguém copiou e mandou por e-mail pra mais alguém, que encaminhou pra mais uns outros, e foi nessa coisa de internet até chegar... a mim! Achei muito legal, muito interessante mesmo. Não esperava que isso viesse a acontecer. Outra coisa interessante que vem acontecendo é sobre os comments. Todos muito bem pensados, muito bem escritos. O legal é que a maioria das pessoas que lê alguma coisa aqui no pornopolítica manda sua opinião pra mim por e-mail, gerando assim discussões interessantíssimas.
Aí, pra inchar mais o ego-sum, fui no orkut de um amigo hoje deixar-lhe um recado e ele tinha colocado no "about me" dele um texto desta amadora que vos fala... amigo é amigo, né?
E por falar nisso, olha ele aqui no MSN. Beijo, Michel!

sexta-feira, 3 de março de 2006

De Casaca Não!

Eu fico feliz quando vejo os telejornais darem uma importância tremenda num assunto tão tosco. É prova de que a democracia pode existir sim: a TV passa o que a maioria quer ver. Aham, é a população que escolhe a programação diária. E os donos de emissoras levam a sério, e muito, a opinião do público. O povo quer baixaria, a baixaria tá lá. O povo quer desgraça, é o que não falta nos telejornais. O povo quer se manter na ignorância, a TV se esmera em mantê-lo lá. O povo quer não se preocupar com assuntos sérios, o Casseta&Planeta tá lá, pra transformar tudo em piadas batidas, principalmente a política (onde só mudam os personagens, as piadas e clichês são e-xa-ta-men-te os mesmos).
Quem foi que disse que novela é distração? Quem disse que Casseta&Planeta faz crítica política? Quem disse que Big Brother é entretenimento? E quem disse que telejornalismo é coisa séria?
Hoje de manhã eu ouvia a um jornal da globo, onde -por incrível que pareça- eles dedicaram um quadro todinho para explicar o que era um traje de gala, a diferença entre black-tie e white-tie, o que era uma "festa de gala" e a importância enorme que tinha o fato do presidente e a comissão que vai com ele à Inglaterra não terem aceitado ir ao jantar de gala.... em traje de gala!
Ah, faça-me o favor. Depois ainda reclamam que tem canal que reprisa desenho animado de mil novecentos e setenta e todos às 7h da manhã. É para uma hora dessas, onde tudo que você quer com o café é alguma coisa inteligente.

quarta-feira, 1 de março de 2006

Carnavais, Malandros e Heróis: Feliz 2006

Sim, o título é copiado, mas em parte. Esse é um livro*, por sinal muito bom, do antropólogo Roberto Damatta, da Universidade Federal do Rio. Me apropriei dele, porque uma coisa é incontestável: o país só começa depois do carnaval. É como se ele fosse o finzinho das férias e festas de fim-de-ano. O fim do descanso e o começo da labuta. O país começa feliz e radiante, descansado, de alma lavada. Ou, como diria o poeta, "depois do carnaval a carne é algo mortal, com multa de avançar sinal".
Essa é uma das características do país do futebol. Juntamente com a típica alegria e hospitalidade do habitante da Terra Brasilis, a Lei de Gerson é uma coisa quase genética aqui pelo sul do Equador (ou seria os fundos da América Latina?). Lógico que o chefe vai desculpar você só ter dado a cara no trabalho hoje de manhã (Que isso, chefia? Não me diga que era sério aquele papo de feriado até o meio-dia?), sua mulher não vai nem ligar para o fato de ter estragado o feriado dela no fogão ou levando a criançada de matinê em matinê, enquanto o bonito do marido nem deu as caras em casa cinco dias seguido (ou ficou em casa comendo e bebendo com os amigos os cinco dias, fato responsável pela patroa ter esquentado a barriga no fogão esses dias todos) e o DETRAN não vai mesmo mandar aquela multa por excesso (não só) de velocidade. Nãão. Em tudo dá-se um jeito.
Escolas de samba transformam seus reais em fantasias (literalmente), os turistas se amontoam, principalmente no Rio. As pessoas sorriem, se abraçam, fazem amor e folia.
Mas de uma coisa ninguém lembra: nem tudo é mágica no carnaval. A criança desamparada continuou desamparada, a mãe sem recursos continuou sem recursos. Políticos continuaram ganhando muito para não fazerem (quase) nada. Dona de casa continuou pagando caro(íssimo) pela passagem de ônibus pra dormir no hospital -longe de casa- com o marido ou filho doente.
Tem gente que não acha graça nenhuma nessa realidade, principal que convive com ela diariamente.
Será que pra isso tem "jeitinho"? E será quando que o Brasil vai começar pra essa gente?



*"Carnavais, Malandros & Heróis", Editora Rocco