Cedinho, do Gama pro Plano Piloto. Entra o primeiro, ou melhor, os. Dois caras, ex-drogados, ex-viciados e essa coisa toda. Vendiam daqueles melzinhos que vêm em tira e curam tosse. É pra ajudar a casa de recuperação, moça. Vende uma aqui, alguém dá umas moedas ali, outros dão dinheiro mas não querem o mel (um absurdo. Se os caras estão lá vendendo uma coisa, o cidadão se acha mais cristão se der esmola?). Descem e vão.
Entra um cego, já velho e antigo conhecido de quem toma ônibus todo dia. Pede porque não há outro jeito, se nesse país idoso não tem vez, imagina se tem alguma deficiência. Prega um pouco, abençoa os que dão, outros nem ligam. Criaram resistência, ficaram indiferentes, vá-se saber. O velho desce.
Horário do almoço, Plano Piloto-Guará I. Sobe a mãe, com um piá nos braços, outros na barra da saia. Fica lá em pé sem dizer nada, fazendo uma cara de auto-piedade. Um minuto nessa e sobe uma criança de uns sete ou oito anos. A menina estava coberta de cicatrizes de queimadura, o corpo todo marcado. A bondosa da mãe coloca um bustiê na menina e uma micro-saia, e a bota pra pedir nos ônibus! A menina passa de cadeira em cadeira, enquanto a mãe fica lá com aquela cara. Vê que a menina não "arrecadou" lá grande coisa, e fala alguma coisa no sentido de que a gente tava faltando com a obrigação (de mantê-la lá nessa situação?).
A sociedade é responsável. Mas se eu der dinheiro, a mãe vai continuar sem trabalhar e explorando a filha, a situação física da filha. Revoltante. Minha vontade era de jogar a mulher do ônibus. Raiva, raiva, raiva. Afinal, a sem coração era a sociedade? E a parcela de culpa dela, que tratava a filha com aquela crueldade? O que fazer numa situação dessas? Eu, sinceramente, não sei. E foi ainda pensando nisso que eu voltei do trabalho, no fim da tarde.
Aí entra um cara vendendo chaveiros. Deu boa noite e falou que estava lá vendendo aqueles guéri-guéris pra pagar seus materiais de escola e a passagem. Tinha voltado a estudar depois de um tempo, fazia o ensino médio no Riacho Fundo, e ele mesmo tinha que bancar seus estudos. Não sei se com a desculpa de que minha irmã tem uns chaveiros que a levam pra escola (é tanto chaveiro dependurado que eu acho que quem sai são eles, e não ela), comprei um. Aí fiquei pensando: será que se ele tivesse repetido o discurso de "estar pedindo uma ajuda por necessidade, pois tem irmão doente em casa, a mãe tá hospitalizada..." eu ia comprar? Provavelmente não. Mas o diabo é que ele falou na escola, talvez tivesse até uma travo de sinceridade em sua fala.
E além de tudo, educação é coisa séria, rapaz!