quinta-feira, 15 de março de 2007

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"Chamem de romance toda narrativa temperada por diálogos e de poemas qualquer declaração ritmada - verão que depois de alguns anos não restarão nem traços de literatura"
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Mao Zedõng (Mao Tsè-Tung)
in.: Concerto de Fim de Inverno [Ismail Kadaré]

quinta-feira, 8 de março de 2007

Bilhete de Identidade [Mahmud Darwish]

Escreve! Sou árabe

e o meu bilhete de identidade é o cinquenta mil;

tenho oito filhos

e o nono chegará no final do Verão.

Vais zangar-te?

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Escreve!

Sou árabe.

Trabalho na pedreira

com os meus companheiros de infortúnio.

Arranco das rochas o pão,

as roupas e os livros

para os meus oito filhos.

Não mendigo caridade à tua porta,

nem me humilho nas tuas antecâmaras.

Vais zangar-te?

,

Escreve!

Sou árabe.

Sou um homem sem título.

Espero, paciente, num país

em que tudo o que há existe em raiva.

As minhas raízes

foram enterradas antes do início dos tempos

antes da abertura das eras,

antes dos pinheiros e das oliveiras,

antes que tivesse nascido a erva.

O meu pai descende do arado,

e não de senhores poderosos.

O meu avô foi lavrador,

sem honras nem títulos,

e ensinou-me o orgulho do sol

antes de me ensinar a ler.

A minha casa é uma cabana,

feita de ramos e de canas.

Estás feliz com o meu estatuto?

Tenho um nome, não tenho título.

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Escreve!

Sou árabe.

Roubaste os pomares dos meus antepassados

e a terra que eu cultivava com os meus filhos;

não me deixaste nada,

apenas estas rochas;

O governo vai tirar-me as rochas,

como me disseram?

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Escreve, então,

no cimo da primeira página:

a ninguém odeio, a ninguém roubo.

Mas, se tiver fome,

devorarei a carne do usurpador.

Tem cuidado!

Cuidado com a minha fome,

Cuidado com a minha ira!

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[Mahmud Darwish é um poeta palestino]